Gestos


É uma noite de nuvens a cobrir a lua que mingua no céu e de iluminação amarelada vinda das novas lâmpadas de uma velha universidade — com cara nova. Dois estudantes conversam: uma belíssima caloura de olhar e sorriso marcante e um calouro bem conhecido. Os dois conversam até uma das partes descobrir o quão valiosa é uma "atitude certa".

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Alguns gestos são tão singelos que passam despercebidos. Outros, mesmo assim, tornam-se tão significativos que mesmo passando sem chamarem a atenção transformam-se em marcas permanentes.

Um desses gestos, aliás, uma dessas marcas acontece quando alguém resolve realizar algo que não sabe fazer. Exemplo disso ocorre quando alguém se encanta por outro alguém, mas simplesmente não sabe o que dizer — sabe apenas aproximar-se, como um bom amigo.

Aconteceu num dia, ou melhor, numa noite normal; uma noite comum até de mais. O céu não estava brilhante — deve ser dito, inclusive, que estava até com algumas nuvens a cobrir a lua minguante. As luzes amarelas da velha universidade, agora com cara de recém-nascida graças a uma nova roupa, brilhavam e iluminavam os bancos enquanto as luzes brancas acendiam-se pelos corredores ao passar de alguém.

Pessoas indo e vindo; professores, estudantes, funcionários e até mesmo curiosos davam o ritmo de mais uma noite de aula. Dezoito horas e alguns destes esperam sentados, em frente às salas.

"Olá" cumprimentam-se dois estudantes: ela, uma caloura com um lindo olhar e, claro, um belíssimo sorriso; ele, um veterano bem conhecido. Os dois conversam: falam sobre trivialidades e também sobre alguns assuntos pessoais — ela mais do que ele. E então o encanto, uma vontade louca de beijá-la passa por ele, "Mas como?". Ela continuava a falar e ele, ainda mais, continuava a admirá-la assim como a se questionar: "Como?"

Então um pensamento passa por sua cabeça: "Zona da amizade", um local frio e isolado; um erro das relações onde justamente acabam aqueles sem manejo nenhum com relacionamentos senão a justa amizade. "Tenho que fazer alguma coisa". Por sorte, ou azar, surge uma amiga e interrompe o momento dos dois, uma brecha perfeita para que ele corra e não se deixe cair justamente nesse local frio, sem graça e desolador.

"Ou você age ou alguém pode aparecer" aconselha a amiga — aquela mesma que o ajudou a não ser apenas um amigo para "ela". Mas eis o problema: como agir? De toda as experiências, poucas deram resultados satisfatórios. 

"Atitude"... Era essa a palavra-chave, porém, igual a desvendar uma senha de sete dígitos, utilizá-la na hora certa, para ele, era como ganhar duas vezes na loteria.

Antes de um monólogo do quão perversas podem ser as Moiras, essas três senhoras decidiram que, como ele não tinha a "atitude" simples de agir, estava na hora de outra pessoa tomar o seu lugar: "Acho que gosto de um amigo meu, que sempre vem comigo no ônibus, mas, sei lá..." revela ela. "E agora? Virar vilão de novela?" pensa ele. Contudo não era de seu feitio plantar discórdia, mesmo que significasse um fracasso. A única coisa que ele conseguiu dizer foi: "Se ele não tem atitude, então que você a tenha".

Para sorte do agora infeliz veterano, os dias passaram-se e ele, até mesmo, esqueceu do que havia acontecido, porém, novamente numa noite de céu parcialmente nublado, ela surgi, alegre e sorridente, disparando a notícia que o baqueia: "Nós ficamos". Que as Moiras eram cruéis, isto ele bem sabia, porém, o que ele nunca imaginou foi o fato de Filotes conseguir ser ainda pior que as três.

Foi como uma brincadeira sem graça, muito pior do que aquelas feitas por certos programas dominicais e que fazem milhares de famílias desistirem um pouco da realidade antes de se entregarem a Hypnos. Ele sempre imaginou que os casais entregues a Filotes permaneciam para sempre numa eterna amizade, contudo, nunca pensou que ela, a deusa da amizade, poderia entregar uma de suas oferendas a Eros. Foi um belo banho de água fria num dia igualmente frio.

"Que bom!" Respondeu ele, num sorriso forçado, tentando parecer contente com a felicidade de sua caloura. "Desculpas, mas tenho que ir" mente ele, novamente fugindo do que não sabia lidar.

Um ponto a favor — na falta de eufemismo melhor — do veterano era que ele ainda não tinha cometido o mesmo erro de dizer, de forma direta, que estava "afim dela". Mas isto o incomodava. Incomodava porque parecia que estava a mentir para si mesmo. "Então como eu faço?", contudo a resposta estava clara: ele já havia cometido o erro, ou seja, qualquer coisa feita a partir dali seria em vão. Resolveu ser direto.

"Posso falar com você, em particular?" pergunta ele, em frente à cantina. "O que foi?" indaga ela, assustada.

— E ai, como estão as coisas entre você e seu amigo?

— Ah! Sei lá.

— Por quê?

— Ele faltou dois dias e... não sei...

— Então tenha a iniciativa você.

— Mas os dois lados têm que querer, certo?

— Às vezes um dos lados têm que investir para que o outro também tente. E outra, por causa dele você conseguiu ficar ainda mais linda, com esse sorriso no rosto. Faça com ele o que eu não tive coragem de fazer com você.

E o veterano sai, sem dizer mais nada. Tinha consigo apenas a imagem dela de surpresa.

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