A jovem perua


Com um ar soberbo e uma maquiagem realçando o rosto roliço e lábios cor-de-sangue, a jovem de vinte e poucos anos chega à festa vestida igual às peruas com sessenta e tantos anos. Mas além do ar refinado, surpreende ao degustar alguns quitutes e também o jantar durante uma simples festa de aniversário.

Vestida igual àquelas peruas que já passaram dos sessenta anos, mesmo não tendo mais que vinte e poucos, cabelos loiros nas pontas e pretos na raiz, maquiagem carregada destacando ainda mais o rosto roliço — principalmente a boca, vermelha como o sangue por causa do batom — e um olhar esnobe, ela senta-se à mesa.

Ao cumprimentar as outras pessoas que já estavam sentadas, deixa transparecer claramente que o fazia por obrigação — um infeliz ritual social que ela tinha que realizar.

Acompanhava a mãe, uma senhora com aparência bem mais velha — bochechas caídas e rugas; cabelos vermelho-desbotado e uma maquiagem bem menos carregada. O olhar — e as atitudes —, sendo justo, eram menos esnobes, mas mesmo assim ainda era possível sentir um arzinho de superioridade vindo dela.

A festa seguiu normalmente, aliás, normalmente para quem já conhecia certos rituais: atrás de um teclado um homem com sotaque hispânico anuncia: “Vamos nos levantar e aplaudir esta grande senhora que hoje tem mais uma rosa em seu jardim da vida”. Todos obedecem e, animadamente, cantam o Parabéns pra Você. Depois a aniversariante faz um breve discurso e, por fim, convoca a todos a rezarem O Terço da Misericórdia.

Finalmente, após a última conta, os garçons distribuem a entrada: pãezinhos em formato de rodelas com patê de sardinha.

Sem perder tempo, a jovem perua abocanha com as mãos um dos pães e, em seguida, sem nenhuma cerimônia, enfia-o no pote com o patê. À sua frente o rapaz que, tempos antes surpreendera-se com a forma de ela cumprimentá-lo choca-se novamente — afinal, para alguém “refinado”, não era aquela a forma certa de servir-se.

Um após o outro os pãezinhos com patê sumiam pela goela da jovem perua. “Moça, você poderia me trazer mais desses pães?” Indaga ela a uma garçonete que servia refrigerantes na mesa ao lado. “Sim, já os reponho para a senhora”.

O clima, em teoria, continuava animado, principalmente depois da aniversariante começar a dançar ao som de músicas em espanhol e guarani. Nas mesas os convidados degustavam a entrada enquanto conversavam animadamente.

"Aqui está" avisa a garçonete, voltando com outra rodada de pãezinhos redondos. Sem perder tempo — e "como um robô", pensou o rapaz à frente de ela — a jovem perua prepara um minissanduíche com o patê e o morde, deixando cair um pouco do recheio na mesa.

A mãe, até então numa animada conversa com outras senhoras que também estavam sentadas na mesma mesa, responde à filha com um olhar de reprovação. A filha, contudo, finge não ligar e continua em seu ritual de preparar minissanduíches.

O rapaz, que até então apenas observava toda a cena — e com uma imensa vontade de também comer os pãezinhos com o patê — decide aventurar-se e arrasta o prato para si, oferecendo-o também à mulher ao seu lado. A jovem perua, que se limpava com o guardanapo, responde ao gesto de forma indiferente, dando mais ânimo para que o infeliz continuasse a aventurar-se.

Novamente os pãezinhos esgotam-se e, antes de ter a chance de pedir mais, uma fila forma-se na mesa onde diversos caldos eram servidos. Como quem "prefere manter a classe", a perua espera para levantar-se, indo logo atrás do rapaz, que só a percebe quando já próximo dos caldos: "Por favor, você poderia me passar um prato?"; "Sim", responde ele.

Após todos já estarem cheios e satisfeitos, um rapaz de um metro e noventa e irmão da jovem perua chega à festa; cumprimenta a todos — desta vez de uma forma mais calorosa e humilde — e senta-se. Sua irmã, igual a criança que vê seu melhor amigo chegar, vira-se para ele e começa a falar a respeito de sua bolsa e de seu brinco, que havia comprado no fim de semana passada. O ar soberbo desaparece de seu rosto.

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